* Por Maurício Gentil
Voltou à tona, no estado de Sergipe, o debate que envolve a convocação
de plebiscito destinado à deliberação popular direta sobre a que
Município pertencem, legalmente, as áreas do Mosqueiro, Areia Branca,
São José e Terra Dura (Santa Maria), além dos núcleos habitacionais
Santa Maria, Maria do Carmo e Antônio Carlos Valadares: se ao Município
de Aracaju ou ao Município de São Cristóvão.
Isso porque a Assembleia Legislativa aprovou decreto legislativo
convocando o mencionado plebiscito, que já foi também apreciado pelo
Tribunal Regional Eleitoral, que decidiu encaminhar ao Tribunal Superior
Eleitoral o pleito para definição de data de sua realização.
Boa oportunidade para abordarmos esse tema, contextualmente complexo e socialmente relevante, na perspectiva jurídica.
1. Desmembramentos de Municípios
É verdade que a Constituição Federal admite a possibilidade de que
novos municípios venham a ser criados, ou que ocorram redefinições
territoriais municipais, a partir de incorporações, fusões e
desmembramentos de municípios existentes, mediante aprovação da
população diretamente interessada, em plebiscito, e lei ordinária
estadual:
Art. 18. A organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.
(...)
§ 4° A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por
lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante
plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos
estudos de viabilidade municipal, apresentados e publicados na forma da
lei.
Essa redação da norma do § 4° do Art. 18 foi conferida pela emenda à constituição n° 15, de 12 de setembro de 1996.
Observe-se que ela condiciona a aprovação da instituição de novos
municípios a uma série de requisitos, dentre eles a determinação, em lei
complementar federal, do período possível para que isso ocorra, bem
como a regulamentação, em lei ordinária, da apresentação e publicação
dos estudos de viabilidade municipal.
Todavia, desde a promulgação da emenda à constituição n° 15 (isso em
12/09/1996) até a presente data, o Congresso Nacional ainda não se
desincumbiu do dever que impôs a sim mesmo de elaborar essas duas leis.
Até o presente momento, embora por lá tramitem projetos nesse sentido,
ainda não foram aprovadas nem a lei complementar disciplinando o período
possível de criação de municípios, nem tampouco a lei ordinária
disciplinando o que deverão conter e a forma de apresentação e
publicação dos estudos de viabilidade municipal.
Isso faz com que a norma que admite a criação de novos municípios seja
desprovida de sua eficácia jurídica plena, sendo classificada como uma
típica
norma de eficácia jurídica limitada; ou seja, a
produção integral dos seus efeitos jurídicos está condicionada à
elaboração dessas leis que a própria norma constitucional reclama.
A propósito, assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Emenda Constitucional 15/96.
Criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, nos termos
da lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar e
após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal.Inexistência da lei
complementar exigida pela Constituição Federal. Desmembramento de
município com base somente em lei estadual. Impossibilidade (grifou-se)
(ADI 2.702, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-11-03, Plenário,
DJ de 6-2-04).
Norma constitucional de eficácia limitada, porque dependente de
complementação infraconstitucional, tem, não obstante, em linha de
princípio e sempre que possível, a imediata eficácia negativa de revogar
as regras preexistentes que sejam contrárias. Município: criação: EC
15/96: plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da criação de
municípios desde a sua promulgação e até que lei complementar venha a
implementar sua eficácia plena, sem prejuízo, no entanto, da imediata
revogação do sistema anterior. É certo que o novo processo de
desmembramento de municípios, conforme a EC 15/96, ficou com a sua
implementação sujeita à disciplina por lei complementar, pelo menos no
que diz com o Estudo de Viabilidade Municipal, que passou a reclamar, e
com a forma de sua divulgação anterior ao plebiscito. É imediata,
contudo, a eficácia negativa da nova regra constitucional, de modo a
impedir – de logo e até que advenha a lei complementar – a instauração e
a conclusão de processos de emancipação em curso. Dessa eficácia
imediata só se subtraem os processos já concluídos, com a lei de criação
de novo Município (grifou-se) (ADI 2.381-MC, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 20-6-01, Plenário, DJ de 14-12-01). No mesmo
sentido: ADI 2.967, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-2-04,
Plenário, DJ de 19-3-04.
A letargia do Congresso Nacional ficou tão patente que o STF já julgou
procedente uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
assinalando como razoável um prazo de 18 (dezoito) meses, a partir desse
julgamento, para que tais leis finalmente fossem aprovadas: