* Por Luiz Antônio
Barreto
A emancipação política de Sergipe, iniciada
com a edição da Carta Régia de 8 de julho de 1820, é um processo
permanente, incessante, que deve mobilizar, sempre, os sergipanos em
torno dos valores, ideais, aspirações que representam as motivações
sociais. A emancipação não é uma data, mas etapa de uma luta contínua,
para formar uma consciência pedagógica com a qual as novas gerações
estejam identificadas. Muito menos é um feriado, um repouso, mas é uma
vigília, um compromisso ao qual ninguém pode faltar.
O século XVI começa em Sergipe com a
descoberta, em 4 de outubro de 1501, do rio São Francisco. O batismo do
grande rio, na sua foz, é uma descoberta do território sergipano, que
confirma a própria descoberta do Brasil, ano e meio antes, pelas
caravelas aventureiras que tinham como destino as Indias. O rio São
Francisco fixou uma fronteira ao norte, para as terras de Sergipe, a
partir de 1532 parte integrante da Capitania da Bahia. A presença de
corsários, de embarcações de franceses e de outros europeus, fez de
Sergipe, por muito tempo, terra livre, para onde fugiam negros da Guiné,
escravos na Bahia.
A
Catequese empreendida pelos jesuítas Gaspar Lourenço e João Salonio
representou uma tentativa de contato e de controle das populações
indígenas, agrupadas em vários pontos do território, sob a liderança de
chefes que deixaram seus nomes na história, como Serigi, ou Sergipe,
Pindaiba, Pacatuba, Boibepa, Aperipê, Siriri, Muribeca, enfrentando a
incursão de 1575 e a guerra de 1589, vencida por Cristóvão de Barros e
seus soldados, em 1º de janeiro de 1590. A conquista de 1590 significou a
posse das terras, a exploração das riquezas, a abertura de estrada para
ligar as Capitanias de Bahia e Pernambuco.
Sergipe foi rateado, como troféu de guerra,
entre os vitoriosos, a começar pelo conquistador que separou o melhor
pedaço, uma larga faixa de terras, entre os rios Sergipe e São
Francisco. A distribuição de Cartas de Sesmarias vinculava a utilização
das glebas nas lavouras e nos criatórios, destinando as terras para o
cultivo da cana-de-açúcar e engenhos de açúcar, e as fazendas de gado. E
assim Sergipe atravessou dois séculos, o XVII e o XVIII, fornecendo
víveres para as Capitanias da Bahia e de Pernambuco, que eram as que
mais prosperavam no Brasil.
Os
holandeses tinham o mapa dos currais de gado, em 1642, os portugueses
controlavam o açúcar exportado pelos portos sergipanos, em 1759, como
parâmetros de uma economia dependente. O delírio de uma Coroa pobre e
endividada alimentou o imaginário de Sergipe e do Brasil com a procura
de ouro e prata na Serra de Itabaiana, com a presença do Governador e
Administrador Geral das Minas, o fidalgo espanhol Dom Rodrigo de Castelo
Branco, que por mais de quatro anos, de 1673/74 até 1678, em companhia
do Capitão Jorge Soares de Macedo, vasculhou a região, nada encontrando.
A reação vinha com o padre Eusébio Dias
Laços Lima, da vigararia de Itapicuru de Cima, da Freguesia do Lagarto,
que por volta de 1740 levanta um grupo de seguidores e proclama o
Império livre em terras de Sergipe e de Alagoas, distribui cartas de
nobreza com seus amigos, enfrenta a força da Coroa portuguesa e dos seus
prepostos, imprime “gazetas com pregas infamantes”, até ser preso e
levado em ferros para o ostracismo da história.
As notícias e os Relatos dos vigários das
diversas Freguesias, em 1757, davam conta do surgimento de núcleos
populacionais, espalhados pelo território sergipano. O conjunto de
informações surpreende, ao indicar igrejas, capelas, povoações,
singularidades de cada uma das Freguesias. É com tais informes que o
padre da Freguesia de Jesus, Maria, José e São Gonçalo do Pé do Banco,
atual Siriri, Dom Marcos Antonio de Souza prepara uma Memória da
Capitania de Sergipe, em 1808, que se constitui no primeiro texto da
historiografia sergipana. Estão lá os dados atestadores do progresso
lento, econômico, social, cultural, de Sergipe. Surgem outros trabalhos
com informações, alguns anônimos, outros assinados, como o de Teixeira
Bacelar.
O 8 de julho de 1820
foi resultado da longa exploração a que Sergipe esteve submetido,
fornecendo carne e açúcar para abastecer Bahia e Pernambuco e para
reforçar as exportações. e sendo passagem para o interior da terra,
tendo os rios São Francisco e Vaza-Barrís, principalmente, como caminhos
preferenciais da penetração colonizadora.
Muitos dos proprietários estavam divididos,
uns preferindo desanexar Sergipe da Capitania da Bahia, outros
defendendo a integração territorial como estava. A Carta Régia atendia
aos partidários da desanexação e por isso mesmo provocava fortes
reações, como a rejeição e a prisão de Carlos César Burlamaqui, primeiro
Governador nomeado para Sergipe.
Uma sucessão de fatos, e o processo de
Independência do Brasil, deflagrado em 1822, retardaram a Emancipação
Política de Sergipe até 1824, quando o Império foi formado e nele
Sergipe ocupa, como Província, um lugar igual a do restante do Brasil.
Com a Emancipação Política Sergipe tem a
responsabilidade de gerir sua economia, administrar seu Governo, fixar
suas prioridades para atender à sua população, corrigindo o rumo do seu
futuro. A Emancipação deu aos sergipanos a responsabilidade de definir
as bases de sua organização, ainda que não pudesse desprezar as
experiências acumuladas em quase três séculos de dependência.
O Governo da Província, o Poder legislante
dos Conselhos, a criação da Assembléia Legislativa, em 1835, os jornais,
as escolas, os grêmios culturais, o crescimento das cidades, a adoção
de melhoramentos, transportes, a presença contribuidora de
profissionais, nacionais e estrangeiros, os hospitais, as manifestações
artistas deram a Sergipe a oportunidade de destacar sua capacidade
gestora e a inteligência dos seus filhos, marca que atravessa o tempo
como um traço distinto, bem imaterial comum a todos os sergipanos.
O século XIX projetou Sergipe como útero
fertilíssimo de intelectuais, pátria de filósofos, galeria de vultos
notáveis que deram com suas idéias e ações os fundamentos da cultura e
da sociedade brasileira.